Contos curtos

Determinadas ideias que surgem não funcionariam como ilustrações ou estórias em quadrinhos. Elas estão aqui, na forma de contos, bem curtos.


Silêncio

A noite seguia estranhamente silenciosa. Adormecera com o barulho dos últimos carros, mas acordara sem entender o porque da perturbação. Sentou na cama impaciente, procurando o que causara tamanha angústia. Minutos dilatados em horas se arrastaram até que pode perceber. O silêncio. Ainda ouvia. A respiração, o coração e os pés no chão enquanto caminhava ainda eram acompanhados por seus ruídos. Mas, tão logo desviava naturalmente a atenção, o silêncio retornava e transformava todo o espaço ao redor em um vazio crescente e angustiante. A respiração tornou-se difícil e não era mais possível entender se era o ar que não existia mais alí ou se era o silêncio que pesava demais sobre o peito. Correu para a porta e dalí para a rua. Não ouviu a porta nem os passos no chão. Olhou para o céu escuro e encontrou a lua. Respirou novamente. O silêncio voltou.
E trouxe o vazio e o peso do nada sobre os ouvidos, os ombros e roubando-lhe as forças dos braços, pernas e vontade. O desespero dominou o corpo, que sacudia em calafrios enquanto era mantido atado no lugar pelo silêncio opressor. Não foi mais possível conter-se e, numa explosão de medo, acordou. Observou o quarto ao redor, sentiu a cama e os lençóis, respirou e escutou. Silêncio.


O Dimensionauta

Os dois pés bem firmes no chão, enquanto continuava com as leituras que já começara uma semana atrás e precisaria de mais uma para terminar. Foi quando começou o incômodo nos ouvidos. Que rapidamente se tornou insurpotável. Sem entender se a pressão aumentava ou diminuia. Abriu os olhos e viu o quarto se contorcer. Caiu da cadeira sem entender se batia no chão, no teto ou nas paredes. O quarto se acalmou, a pressão nos ouvidos se estabilizou e teve tempo de erguer a cabeça para ver que o centro do cômodo continuava sendo distorcido cada vez mais e mais. Se contorcia e desaparecia em si próprio, para em seguida surgir ainda mais torcido e misturado a todo o resto. Não girava, ou espiralava. Apenas se misturava e desmisturava ainda mais misturado do que antes.

Foi quando pareceu deixar de ser o que era. Quando algo foi adicionado à mistura estroboscópica. E continuou a tomar espaço até o ponto de existir algo se contorcendo dentro do que já se contorcia.

Lentamente as formas foram se acomodando de volta. Enquanto algo novo se colocava lentamente de pé no centro. Não era possível entender se tocava o chão. E o próprio quarto não parecia ter coerência com que estava alí.
Mas estava alí. Por mais que estar fosse algo estranho para o que surgira.

Parecia-se com um cosmonauta. Traje hermético. Luvas, botas e capacete.

Da mesma forma que o quarto se contorcera a pouco. Esta figura permanecia a se contorcer. Levemente. Cada fibra e cada pequena peça sempre indo e vindo de si mesma para si mesma.

Ergueu um dos membros para uma suposta saudação. Lenta e calmamente.
Movendo do ponto onde estava para o que queria que estivesse. O membro dobrou-se e esticou-se dentro dele mesmo. Um braço que possuía mais articulações do que era possível. Todas funcionando simultaneamente em um único cotovelo. Causando vertígem, como se alí naquele braço existisse mais membros do que cabiam naquele espaço. Outros braços saltaram para fora e desapareceram parcialmente antes de voltar para onde estavam.

A figura permaneceu imóvel. A mão erguida. Até que todo o movimento se reduziu. A pressão no ouvido oscilou novamente e todo o quarto reverberou até que uma das frequência se sobressaiu. Grave e profunda. O estranho cosmonauta então pronunciou uma saudação lenta e calma. E disse que não se preocupasse. Tudo estava bem.

Aqui vai começar a segunda cena.